Frederico Morais |
Desde os tempos da colonizaçao européia, a principal marca da nossa marginalizaçaõ é a ausencia da América Latina na história da arte universal. Segundo uma perspectiva metropolitana, nós, latino-americanos, estaríamos fatalizados a ser eternamente una «cultura de repetiçaõ», reproductora de modelos, não nos cabendo fundar ou inaugurar estéticas ou movimentos que poderiam ser incorporados à arte universal. É conhecida a afirmação feita por Henry Kissinger, durante reunião de chanceleres do Continente, realizada en Viña del Mar, no Chile, em 1969, de que «nada de importante pode vir do Sul. A história nunca é feita no Sul».(1) Mas antes que o ex-chanlerer dos Estados Unidos manifestasse de forma tão cínica seu desprezo por tudo aquilo que nasce ao sul do Rio Grande, Torres García já invertera a posição do mapa do Continente, situando a América do Sul ao norte. Uma boutade? Talvez. Mas não devemos desprezar o valor dos símbolos. Este pequeno desenho ilustra um artigo de Torres García de 1935, no qual ele defende a criação de uma «Escuela del Sur», que procurou viabilizar a partir da criação, em Montevidéu, de um Taller de Arte Constructivo. E se o seu gesto-símbolo, que inaugura, na América Latina, a vertente cartográfica, foi tantas vezes retomado e refeito por outros artistas latino-americanos -de Rubens Gerchman e Uriburu a Alfredo Jaar- seus alunos do Taller espalhramse pelo mundo, divulgando suas idéias e sua proposta de um Universalismo Constructivo, que renovou o construtivismo europeu. Tampouco devemos esquecer da importância da arte como parte de um processo de ampliação de nossa consciência de Nação. Porque, ou mantemos a esperança, um tanto utópica, hoje, de que a arte tem o poder de transformar sociedades e mudar políticas, ou tenemos de concordar com Luis Camnitzer que, para que acreditem em nós, necessitaríamos de «todo o poder econômico, o caudal de truques poblicitários, os meios de informação e, também por via das dúvidas, de recursos militares que os impérios têm à sua disposição para manter sua credibilidade e poder ser tão convincentes».(2)
Num encontro de críticos de arte, realizado em Caracas, em 1978, Dale McConnathy afirmou que «a América Latina tem artistas, mas não tem arte».(3) Tal afirmação ilustra o que tem sido un comportamento das nações centrais, que, de tempos en tempos, pinçam na produção artística latino-americana um ou dois nomes, destacando-os e isolando-os de seu verdadeiro contexto histórico e cultural e a seguir mitifica-os por seu carácter de excepcionalidade artística, próxima do milagre. Do Alejandrinho à época colonial, em Minas Gerais, a Roberto Matta, Lúcio Fontana e mais recentemente Frida Kahlo, esta tem sido a regra. Mas pode-se inferir ainda da afirmação de McConnathy que, à semelhança do que ocorre no plano econômico, seríamos, os latino-americanos, apenas exportadores de matérias-primas, isto é, de artistas, e importadores de produtos acabados, isto é, de estéticas. Ou falando em termos filosóficos, exportamos o não-ser (a matéria bruta, informe) e importamos um ser que não é nosso. Importamos, por exemplo, a Minimal Art, quando temos, entre nós, um pionero desse movimento, Mathias Goeritz, no México, e figuras seminais como o brasileiro Amilcar de Castro. A questão, como se vê, não é ontológica, mas política e econômica, de poder, enfim. Afinal, temos artistas, que desde muito tempo integraram o ecúmeno da arte universal, como temos arte, isto é teorias, estéticas. Teorias que não se aplicam só ao contexto latinoamericano, mas que podem servir como instrumentos indispensáveis à compreensão de todo o processo da arte moderna e contemporânea. Para citar alguns exemplos: a antropofagia de Oswald de Andrade, o regionalismo crítico de Pedro Figari, o universalismo construtivo de Torres García, o real maravilhoso de Alejo Carpentier, a teoria de não-objeto de Ferreira Gullar, o tropicalismo de Hélio Oiticica, a estética da fome de Glauber Rocha, a arte de resistência de Marta Traba, às quais poderíamos acrescentar as formulações de intelectuais, poetas, artistas plásticos, críticos de arte, políticos e revolucionários como, entre outros, Enrique Rodó, Torres García, Pedro Figari, Xul Solar, José Marti, José Vasconcelos, José Carlos Maritegui, Simon Bolívar, Vicente Uidobro, Roberto Matta, Mário Pedrosa e Darcy Ribeiro, que pensaram a América Latina como um continente inaugural, fraterno, justo e libertário, não importa se a realidade atual sugere exatamente o contrário.
Solidão e distanciamiento são as marcas definidoras do Continente, sugerindo a idéia de que «a arte latinoamericana participa de una cultura a ser descoberta ou explotada, uma cultura por ser conquistada», como observa Nelly Richard (4). Na verdade, antes de ser conquistada, a arte serviu à conquista. Fato único nos anais da historia da arte, o Barroco, definido por François Cali como «a arte dos conquistadores»(5), serviu à dominação politica da América Latina. Lembra esse autor que, a cada etapa de sua marcha sobre o México, Cortez exigia um templo para transformálo em igreja. Após a celebração da primeira missa, fazia o mesmo o sermão, procurando convencer os nativos da verdade da religião que justificava sua empresa. Logo a seguir, era lido un documento, justificando teológica e juridicamente a conquista. E assim se construíram, entre os trópicos de Câncer e de Capricornio, dezenas de milharres de igrejas. Para decorar essas igrejas, que demarcavan territorialmente a conquista, foram criadas milhares de imagens policromadas, pinturas retábulos, ornamentos vários, mobilizando un número incalculável de pintores, escultores, toreutas, canteiros, encarnadores e arquitetos, que empregaram, na realização, das obras, ouro, prata, madeira, tecidos e uma enorme viariedade de instrumentos de trabalho. Enfim, criaran-se verdadeiras fábricas de arte. Havia, no entanto, una tácita proibição da qualquer representação da realidade local. Através da pintura, definida como «a prédica do colonizador», buscou-se impor uma visão eurocêntrica do mundo ‹a visão da Igreja. A América Latina, já se disse, foi conquistada «a cristazos», ou no dizer de Alfred Boulton, «com imagens mais do que armas».(6) Neste sentido, os excessos ornamentais que acabaram por caracterizar o Barroco mestiço, especialmente na região andina, bem como a introdução dissimulada de uma temática local na pintura e na talha, contituiram formas de resistência à imposição de padrões estéticos europeus, uma espécie de vingança do índio e do criollo contra o purismo espacial e a visão de mundo do europeu. Pedro Querejazu, no texto sobre a representação boliviana, afirma que, observadas de um ponto de vista eurocêntrico, estas obras mestiças são a entítese do Barroco. Contudo, acrescenta, «poucas obras são tão genuinamente barrocas como a arte mestiça das escolas de Callao e Potosi». Os muitos artistas europeous que viajaram pela América Latina do século XIX, intengrando diversas missões científicas, aqui chegaram para pôr em prática a «idéia fisiognômica-geográfica» de Humboldt. Não devemos esquecer que essas missões correspondiam a um mecenato de tipo novo, de carácter mais pragmático. Se a «descoberta» da América Latina corresponde à primeira fase do capitalismo, que é o mercantilismo, e teve um carácter nitidamente predatório (a exploração indiscriminada do ouro, da prata e das madeiras nobres), o obra realizada pelos pintores viajantes do século XIX a serviço de governantes mais ilustrados que os perdulários monarcas de Portugal e Espanha, funcionou como uma espécie de catalogação ou cadastramento de nossas riquezas. Como escrevey Angel Kalemberg no catálogo da mostra Artistas alemães na América Latina, 1980, «à etapa do descobridor deve suceder a etapa do inventariante».(7) Depois dos pintores-viajantes virão, no século XX, as grandes empresas multinacionais. Daí a forma assumida pela obra desses artistas: «um inventário prolixo». Em 1978, Pierre Restany realizou uma expedição é Amazônia companhado de Franz Krajcberg e Sepp Baendereck, que resultou na publicação do Manifesto do Rio Negro, também chamado de Manifesto do Naturalismo Integral. Nele o fundador do Nouveau Realisme vê na Amazônia a única responsta à busca de novas expressões na arte, demostrando sua crença de que «dessa volta à naturaleza poderá surgir um novo renascimento, um novo século das luzes». E acrescenta: «A Amazônia contitui, hoje, em nosso planeta, o último reservatório, o último refúgio da naturaleza integral /.../ traduzindo o advento de um estágio global de percepção, a pessagem do individual para a conciência planetária».(8) Usos políticos e ideológicos à parte, Restany retoma em seu texto algumas idéias esboçadas antes por Mário Pedrosa em seu Manifesto para Tupiniquins e Nambás, de 1975, no qual revela sua esperança de que a América Latina representaria uma alternativa para o beco sem saída a que chegara a arte da vanguardia na sociedade capitalista, depois de algumas manifestações suicidas da Body-Art. Ora, se o esforço dos pintores-viajantes por expressar a «fisonomia dos trópicos» prepara a penetração econômica das multinacionais, o Manifesto do Rio Negro estimula o debate sobre a internacionalização da Amazônia, tese defendida, enfaticamente, pelo presidente francês François Mitterand na Conferência Mundial da ONU para o meido ambiente, realizada no Rio da Janeiro, em 1992.
A idéia de um continnte a ser descoberto persiste ainda hoje e mobiliza o imaginário dos própios artistas latinoamericanos que, tanto quanto os estrangeiros, desconhecem o território no qual vivem, en parte devido à própia extensão e diversidade geográficas. Ainda em 1992, o governo alemão, através do Instituto Goethe, promoveu a mostra «Arte Amazonas» que, como tantas outras iniciativas no século passado, assumiu a forma de uma expedição, reunindo artistas de quatro continentes. Três anos depois, novamente apoiados pela mesma intitução, artistas brasileiros e alemães foram convocados a refazer a problemática expedição de Langsdorf por diversas regiões brasileiras. Poderíamos citar, ainda, aparticipação do pintor José Claudio na expedição liberada pelo cientista Paulo Vanzzolini à Amazõnia, em 1987, as viagens de Milton Becerra e Victor Hugo Irazábal ao Orinoco, na Amazônia venezolana e, principalente, a obra monumental que vem realizando o argentino Luis Benedit, na forma de desenhos, pinturas, objetos e instalações, em torno de viagens que Charles Darwin realizou a Beagle, na Patagônia, que se desdobrou na série Señales del fin del mundo, em 1991.
A «ação civilizadora» da Europa em nosso Continente começou pelo extermínio dos índios e o deslocamento para o «mundo novo», como escravos, dos negros-africanos, prosseguiu com as expedições científicas e missões artísticas do século pasado e, já neste século, com a presença rotineira de críticos e historiadores de arte, directores de museus, galeristas, colecionadores, curadores e igualmente por alguns artistas que retornaram a seus países de origem depois de longas temporadas na Europa, como é caso de Carlos Villanueva e Joaquin Torres García. O primeiro, formado na Inglaterra, projetou, em meados dos anos 40, a Ciudad Universitaria, em Caracas, base de um movimento de síntese das artes, que lhe permitiu reunir, ali, obras de Calder, Léger, Pevsner, Arp, Laurens, Vasarely e de jovens artistas venezolanos, em sua maioria de tendência construtiva. Torres García, por sua vez, ao retornar a Montevidéu, depois de viver 40 anos na Europa, desenvolveu intensa pregação a favor de seu Universalismo Construtivo, que deu novo alento à arte uruguaia e impregnou todo o Continente. Poderíamos ainda citar a presença de Le Corbusier, autor do risco original do novo edificio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, inaugurado em 1945, a até hoje um dos marcos da moderna arquitectura brasileira e mundial; as presenças polêmicas de Max Bill, no Brasl, influenciando artistas como Franz Weissman e Mary Vieira, ocasião em que críticou o nosso Barroco e o modelo arquitectônico de Le Corbusier; de Mathias Goeritz, no México, batendo duro contra a hegemonia do muralismo, bem como a de Oteiza, na Colômbia, e de egressos da Bauhaus na Argentina (Grete Stern) e no México (Hannes Meyer). Contudo, pode-se questionar a persistênsia de certos estereótipos interpretativos nos projectos curatoriais das exposições de arte-latinoamericana que se vêm multiplicando ultimamente, em diferentes países. Com efeito, segundo Nelly Richard, «os circuitos internacionais são regidos por um critério hegemônico de historização das formas baseado no valor de precedência. As culturas dominantes se arrogan assim o privilégio da novidade, definindo as regras da temporalidade que sincronizam os fenómenos da arte internacional numa freqüência única. Este tipo de uniformizaçâo histórica exige que os movimentos artísticos (pertenecentes a diversos contextos nacionais), sejam regidos, todos, por uma mesma ordem de periodicidade. Em fumção disso, as culturas periféricas difícilmente conseguem revertes estes processos que as condenam a ser apenas receptoras de mensagens alheias tornando-se assim, culturas meramente subscritoras dos valores imperantes, culturas de reproduçäo e duplicação, de recorte e transposição». (9)
A arte internacionalk flutua como uma nuvem acima dos países e continentes. Nâo finca raízes nem cria tradições locais. Como a nuvem, modifica-se a cada instante, numa série continua de metamorfoses. Esta arte internacional existe antes de tudo para a glória de um clube selecto e fechado de países, artistas, curadores, galeristas e colecionadores. Atuando de um modo perverso, de acordo com interesses econômicos e de política cultural, invade os países, submetento os circuitos locais de arte às suas exigências e dogmas e desaprece rapidamente, deixando órfaõs os artistas, que seguirão, assim, até que apreçam novas tendências. Atua, entim, como o capital especulativo internacional, que entra e sai das bolsas, sem criar riquezas nos países em que atua e o que é pior, aumentando freqüentemente a miséria e a desigualdade econômica.
Nâo é caso de negar a influência européia sobre a arte mundial, nem o fato de que os Estados Unidos se beneficiaram extraordinariamente com a presença de artistas de velho contienete, que ali se exilaram durante a segunda guerra mundial. Da mesma forma, fugindo da guerra napa, diversos artistas e teóricos de arte se transferiam, temporariamente, para alguns países latino-americanos. Pero o México se deslocatraram Arhaud, Andre Breton, Benjamin Pret, Wofgang Paalen, Remédios Varos, Leonora Carrington, todos vinculados ao Surrealismo. Arhaud e Breton agitaram o meio cultural mexicano com comferências e artigos para imprensa, e Paalen organizou, em 1940, uma exposição internacional do Surrealismo. Mas, de modo geral a realidade mexicana não deixou qualquer huella en suas influencia nos destinos artísticos do país foi pequena. O Brasil teve um pouco mais de sorte. Alguns estrangeiros que escolheran o Rio de Janeiro como refúgio tiveram uma importante atuação como professores, ajundando a formar várias genações de artistas, como foi o caso del Axel Leskoschek, August Zaimoiski, Arpad Szenes e Kaminagai. Já Vieira da Silva, portuguesa naturalizada francesa nos anos em que viveu no Brasil, de 1940 a 1947, isolou-se nas ruinas do outrora sofisticado Hotel Internacional, próximo à Floresta da Tijuca, de onde se descortina una visão paradisíaca do Rio de Janeiro. Ali permaneceu como que numa redoma, à margem de quase tudo que acontecia no país, cercada apenas por um pequeno grupo de intelectuais, poetas, músicos, críticos de arte e uns poucos pintores. Viveu no Brasil uma vida totalmente contemplativa, realizando duas exposições, modestas. Em sua obra nada ficou que se possa dizer: isto é Brasil. Contudo, são de sua fase brasileira duas obras-primas: Partida de Xadrez e Desastre, ambas de 1942. Estados Unidos e Europa receberam até muito recentemente sucessivas ondas de exilados latino-americanos, obrigados a deixarem seus países como conseqüência de golpes e ditaduras militares. Hoje, a migração continua, porém, não se trata mais de uma de uma «cultura do exilio», mas de uma expansão da arte latino-americana, que está cada vez mais presente nos circuitos internacionais. Podemos dizer que a criatividade plástica de América Latina não se restringe mais ao seu pr´pio território, na medida em que vem se expandindo por todo o mundo, excercendo uma influência considerável. Seria mesmo o caso de perguntar se a onda neoconservadores que comença a envolver parte da crítica de arte, especialmente a norte-americana, não seria uma reação ao potencial criativo da arte latino-americana. Pois a verdade é esta: pelo menos uma quarta parte dos quase 200 artistas que participam desta I Bienal de Artes Visuais do Mercosul viveu, ou ainda vive no exterior, dividindo sua residência entre seus países de origem, a Europa e os Estados Unidos. Conta a laterista Denise René (10), que Julio Le Parc Ihe escreveu, em 1958, pedindo seu apoio para obter uma bolsa de estudos do governo francés. Obtida a bolsa, Le Parc chegou um ano despois com mulher e filhos. Vieram em seguida todos os seus amigos da Escola de Belas Artes de Buenos Aires, como Demarco Sobrino, Vardanega, Marta Boto e Tomasello, «un verdadeiro movimento de imigração». Foram todos trabalhar no ateliê de Vasarely, mas, logo depois, liderados por Le Parc, fundaron o Groupe de Recherche d¹Art Visuel, que reorientou o cinetismo francês, levando-o para a rua, na forma de happenings colectivos, nos quais a participação dos espectadores era fundamental. Por Paris haviam passado os cinéticos venezuelanos Soto, Cruz-Diez e Alejandro Otero, e os brasileiros Sérgio Camargo, Sérvulo Esmeraldo e Artus Piza. A partir dos anos 60, Nova York tornou-se o principal centro emissor e consumidor de arte em todo o mundo, o que, por sua vez, permitiu aos Estados Unidos revisatrem sua história da arte, obrigando a Europa a fazer o mesmo. Contudo, nessa revisão, não se tem considerado suficientmente a influência ponderável que a arte larinoamericana exerceu e ainda exerce nos dois continentes. Os norte-americanos foram atraídos inicialemnte pelos nuralistas mexicanos e, a seguir, pela arte fantástica, enquanto a Europa enteressou-se, antes de tudo, pelos artistas de índole construtiva. No primeiro caso, Siqueiros, Orosco, Rivera, Tamayo, Frida Kahlo, Maria Martins, Antonio Henrique Amaral, Mário Toral, Rodolfo Abularach e dois construtivos-simbólicos, Gonzalo Fonseca e Marcelo Bonevardi, alén de Júlio Alpuy. No segundo caso, Sodo, Cruz-Diez, Lúcio Fontana, Le Parc, Sério Camargo, Almir Mavigner, Mary Vieira, Lygia Clark e Torres García. Curiosamente, a influência desde último pode ser sentida mais nos Estados Unidos, onde morou entre 1920 y 1922, antes, portanto, de fundar, em Paris, o agrupamento Cercle-et-Carré. Luise Nevelson e Adolph Gotliev estão entre os artistas norte-americanos que beberan na fonte visual e teórica de Torres García. Contudo, aina não se estudou mais profundamente a influência que exerceram na escola novaiorquina a pintura de Wifredo Lam e Matta, gruto de uma operaão triangular: América Latina-Europa-Estados Unidos. A eclosão da segunda guerra mundial, na Europa, provocou a dispersão do grupo surrealista. Já em 1939, Matta e Tanguy encontravam-se em Nova York, e depois, sucessivamente, Dali, 1940; Breton e Max Ernst, 1941; Masson, 1942 e Lam, 1943. Sabe-se que Lam redescobriu na Europa via Picasso, o lado realcado de sua formação culturl, o lado africano. Mas ao participar da vanguardia européia dos anos 40, não se comportou como mero apêndice dessa vanguarda. Para Per Hovdenakk, a influência de Lam «sobre os jovens artistas norte-americanos foi profunda e diferia bastante da que foi exercida pelor artistas europeus».(11) Angel Kalenberg, citanto Ortega y Gasset, mostra como determinados movimentos vão se distanciando progressivamente do centro até alcançarem os países periféricos, onde passam por um processo de transformação ou revificação. Renovados, os produtos importado são devolvidos à metropole em versões heterodoxas. Pode-se falar, aqui, de culturas transplantadas, como é o caso do Barroco de Minas Gerais (Brasil) e o Barroco andino, e de retroinfluências.
Transferindo-se para a Italia, em 1946, um anos depois de ter publicado em Buenos Aires seu manifesto espcialista (Manifesto Blanco), Lûcio Fontana, com seus ensinamentos, prepara o terreno para o surgimento da Arte Povera, além de contribuir para a formação do Grupo Zero, que teve ramificações na Alemanha, inclusive com a participação do brasileiro Almir Mavignier. Tomás Maldonado, líder e principal teórico do agrupamento Concreto-Inverción, transfere-se para a Alemanha e, pouco depois, tendo trocado a especulação estética pelo design, torna-se Reitor da Escola Superior da Forma, em Ulm, suvstituindo Max Bill. Alberto Greco antecipa com suas performances certos aspectos da obra de Piero Manzone e Yves Klein. A proposta de Rhod Rothfuss do suporte irregular, adotada pelos madistas rgentitos, será retomada algumas décadas depor por Frank Stella.
A historia da arte, sobretudo aquela mais particular da vanguarda, valoriza apenas os momentos de ruptura, tidos como fundadores, matriciais. Mas os autores dessa história se esquecem de analisar a continuidade e os desdobramentos desses mo(vi)mentos e sua revitalização em outros países. Eses desdobramentos resultam freqüentemente em produtos híbridos, o que não os torna menos importantes. Na verdade, tudo na América Latina tende à hibridização e à mestiçagem cultural. Entre nós, nada existe em estado purto, seja no plano da arte erudita, seja no plano da arte popular. Emilio Petorutti, na Argentina, Rego Monteiro e Tarsila Amaral, no Brasil, Wifredo Lam, em Cuba, Rivera no México, cada um a seu modo, regionalizaram o Cubismo, dando-Ihe, algumas décadas depois de sua invenção, uma nova e surpreendente vitalidade. Uma histórica ampla do movimento não pode deixar de considerar sua persistência e renovação na América Latina. Um capitulo especial de uma nova história da arte teria de ser dedicado ao exame da arte construtiva, disto que chamei, num ensaio de 1978 «a vocação construtiva da arte latinoamericana». Nesse ensaido falei de antecipações e retroinfluências. De fato, é fácil apontar pioneirismos latinoamericanos no campo da Minimal Art, caso de Goertiz, com sua Serpiente, de 1953, pionerismo reconhecido por Gregory Bathcock, em sua antologia crítica do movimento.(12) Pionerismo, tambén, na escala das obras públicas, como as Torres do mesmo Goeritz, uma delas medindo 57 metros de altura, verdadeiros edificios cromáticos, ou do Centro de Espácio Escultórico, formando um oval em torno da lava vulcânica do sítio arqueológico de Cuicuilco, com 126 metros de diâmetro. É provavelmente uma das maiores esculturas do mundo, de impacto impressionante, só parecido com o que proporcionam espaos sagrados do antigo México ou Machu-Pichu, no Peru. Monumentais tambén são as colunas interligadas de Eduardo Ramirez Villamizar, no alto de uma colina, de onde se descortina a cidade de Bogotá, as esculturas cívicas de Alejandro Otero, que podem ser vistas em Caracas, Bogotá eller Washington, captando e refletindo as variações da luz ao longo do dia. Aliás, o cinetismo venezuelano gerou obras gigantes como um muro de indução cromática de Cruz-Diez, que margeia por três kilómetros uma autopista, ou as que se encontram no interior (subterrâneo) da hidroelétrica do Guri. Ao lado da escultura minimalista de Amilcar de Castro e Franz Weissman, temos a arquitetura de Oscar Niemeyer, que nos emociona com seus jogos formais, com seu espaço ondulante e a leveza encantatória de seus volumen, de que são exemplos Pampulha (1942), Brasília (1959) e o Memorial da América latina (1991). Esta arquitectura niemeyeriana, convidando ao sonho, é a contrafase, dentro do nosso Barroco, da exuberância, do excesso e do fausto das igrejas setecentistas. Entre n´s, portanto, a arte é simultanemaente transe, ou seja, um sentimento atávico, um recuo até as origens mitomágicas do Continente, e transitório, um impulso para frente, para o futuro, virtualidade pura. Um espaço instável, que se caracteriza pelo trânsito permanente entre os extremos, uma arte que desliza, armando pontes entre tendências opostas. Um construtivismo híbrido, com laivos expressionistas. Não a lógica construtiva da máquina e das sociedades afluentes, mas a geometria caliente das sociedades emergentes, geometria lírica e sensível, como a de Marina Leontina e Ione Saldanha, no Brasil, de Luisa Richter e Quintana Castillo, na Venezuela. Da mesma forma, o cinetismo latino-americano é outro. Sua raíz, mais uma vez, é o Barroco, que é tátil e participativo. Guy Brett já perceberá essa peculiaridade ao ingluir vários latino-americanos, especialmente brasileiros em seu livro Kinektik Art(13). E ao se ocupar desse segmento constutivo na mostra Art in Latin America, realizada em 1989, na Hayward Gallery, de Londres, capítulo a que deu o título de «O salto radical», incluiu artistas cinéticos venesualnos e neoconcretos brasileiros. Para o crítico inglês, naquele primeiro livro, o movimento na arte cinética é mais interno que externo, remete à subjetividade do artista e do espectador. Um cinetismo que guarda a memória do corpo, que tem a ver com a química e a biologia mais do que com a física e a mecânica. O chileno Vergara-Grez, fundador e líder do grupo Espacio y Forma (1955), teórico de una geometria andina, usou a expressão toqueteo para caracterizar o modo de ser o homen latino-americano. Existiria entre nós uma cultura do toque, uma tactilidade afetiva e afetuosa, um modo de participar tocando as coisas e as perssoas. Ora, uma das características principais do neoconcretismo brasileiro é justamente a idéia da articipação do espectador. Na perspectiva neocontreta, o artista é o autor de uma estrutura inicial, mas o seu desabrochar dependeria fundamentalmente da vontade de particição do espectador. O que se propõe é um potlach, uma troca de dons, o espectador como co-criador. A obra neoconcreta parte do plano e se abre tridimensionalmente, como uma flor. Gênese permanente. Ao nomear suas esculturas de «bichos», Lygia Clarck estaba dizendo que eram como que «organismos vivos». Suas derradeiras criações, os «objetos relacionais» são objetos para tocar, bulir, colocá-los em contato com o corpo. Arte na fronteira entre psicoligia e a terapia.
Os parangolés de Oiticica, desdobramento de suas «estruturas-cor» no espaço da fase ceoconcreta, são obras para vestir, da mesma forma como sus bólides pedem manuseio, a cor reduzida à materialidade do pigmento. O espacialismo de Lúcio Fontana está fundado nesta relação visceral com o corpo, a tela como pele, o corte e as perfurações vuscando o avesso do espaço. Não menos particpantes ou interativos são os penetráveis de Soto. Convidado a penetrar na obra, o espectador participa de uma estrutura flutuante, mesgulha no espaço-tempo. Mesmo nas fisiocromias de Cruz-Diez, a participação do espectador é fundamental: se ele não se desloca diante da obra, ela não exista na sua plenitude.
O cotidiano da América latina está contaminando pela política, pelos problemas sociais e econômicos. Conversamos todo o tempo sobre inflação, resessão, desemprego, fome no campo e na cidade, divida externa, corrupção, esquadrões da morte, exterminio de índios e crianças protituição infantil, sobre os sem-terra e os semteto, seqüestros, violência policial, etc. Acimas das diferenças regionais e históricas, o que temos em comum é este carácter emergencial dos problemas. Assim, para os artistas latino-americanos, é muitas vezes impossível abandonar o contexto em nome de uma linguagem pretensamente universal, a-temporal e a-histórica. Arte e politica na América Latina sempre andaram de mãos dadas. Para escrever uma historia de arte latino-americana é preciso, antes, conhecer a história política do Continente, a história das ditaduras, dos movimentos de liberação nacional e da guerrilha urbana. É preciso, antes, contar a trajetória disto que Angel Rama denominou de uma «remozada galeria de dictadores».(14) Reportando-se à história da arte paraguaia, Tício Escobar lembra que o ciclo da moderm´nidade coincide em seu país com o período da longa ditadura de Stroessner (1954-1989) e este contitui um referente ineludível para toda a produção não foi diferente na Bolivia e na Venezuela. Carlos Villanueva projetou a cidade universitária de Caracas, na qual desenvolveu o concito de síntese das artes sob a égide da arquitetura, em plena ditadura de Perez Jimenez, a advém dai a oposição inicial de artistas e intelectuais ao seu projeto ‹afinal vitorioso. Villanueva precisou de muita habilidade para conciliar o seu desejo de modernização da cultura visual venezuelana com o atraso que representava, no plano político, o longo período ditatorial de Perez Jimenez. Nos anos 60/70, quando a maioria dos países do Cone Sur estava em poder dos militares golpistas e a repressão era muito dura, fou preciso usar reiteradamente a metáfora ou linguagens cifradas e herméticas para se dizer aquilo que não se podia falar aberamente. O que se tornara indispensável nos meios de comunicação massiva e na prática política, acabou por penetrar o universo da arte. Será preciso estudar em profundidade o modo como as ditaduras militares acabaram por gerar formas específicas de criação plástica e, também, como certa parcela da crítica acabou por introjetar em seu discurso o sutotoritarismo militar então vigente. Carlos Basualto sustenta a tese de que «a produção artística dos anos 80/90 esteve e está, ainda hoje, indiretamente determinado pelos devastadores efeitos da ditadura militar no tecido social argentino. Isto tem inicio em 24.03.76, dia no qual começa o que será denominado pelos militares golpistas de «processo de reorganização nacional». E acrescenta: «Os efeitos da ditadura militar na Argentina ainda são extremamente dificeis de analisar. As cifras indicam o desaperecimento de aproximadamente 30 mil pessoas, mas não dão conta da enorme quantidade de emigrados, da incalculável deterioração das intituições. À repressão interiorizada se soma a deterioração global da sociedade argentina, a progressiva desarticulação da Universidade, o envelhecimento dos museus, o desaparecimento do colecionismo, o estancamento geral de crítica de arte, impossibilidada de articular com o conjunto da sociedade o potencial ideológico que subjaz em toda obra de arte».(15) Jean Franco lembra que, enquanto na Europa os movimentos renovadores elegeram denominações que indicaban sua ruptura com a história da arte ‹Impressionismo, Simbolismo, Cubismo,etc‹, na América Latina os nomes dos movimentos sugerem tentativas de respostas a fatores externos(16). Vale dizer, aqui as vanguardas, como na política (Frente Farabundo marti, Frente Nacional de Libertação, Tupamaros, Montoneros, Senderistas, etc), atuam como frentes ou movimentos de caráter emergencial. Ou seja, os artistas, como os ativistas e revolucionários, se reúnem para dar respostas imediatas a situações contingenciais, se reúnem para opinar, protestar, interferir nos processo sociais e políticos. No Brasil, o Tropicalismo não foi um movimento com o tradicional manifesto de fundação e a exposição correspondente. Foi uma explosão criativa depois de alguns anos de repressão política, da mesma maneira como o movimento das «Diretas Já» (1982) levando centenas de milhares de pessoas à ruas, em diversas capitais brasileiras, transformou-se simultaneamente num exercício de criatividade popular em nível coletivo, uma forma de arte pública. Nos anos 60, instaturada a censura, fechados os museus e as falerias às menifestações de vanguarda, os jovens artistas sairam às manifestações de vanguarda, os jovens artistas sairam às ruas, buscando as praças, aterros e parques, largando suas obras no caminho, organizando eventos como Apocalipótese, de Hélio Oiticia, e até passeatas, por ocasião do incêndo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1978) que devorou, em poucos minutos, a mostra «América Latina: Geometria Sensível», que incluía parte significativa da obra construtiva de Torres García. Noé, De la Vega, Macció e Deira, na Argentina; Antônio dias, Gerchmann e Carlos Vergara, no Brasil, ao mesmo tempo que retomavam de forma virulenta a figuração, sob o impacto da Pop-Art e da Nova Figuração Européia, aumentaram a temperatura política de suas obras. O esmo fizeram os provocativos Alberto Greco e Nelson Leirner, ambos especaçando o sistema da arte, o Oiticica, som sua radical homenagem a Cara de Cavalo, um marginal assassinado pela polícia carioca, com requintes de crueldade. Na Venezuela, a «Homenagem à Necronfilia» de Carlos Contramestre (1962), uma pintura realizada com carne de vaca recém-abatida, provoca enorme poêmica, que teve, no dizer de Roberto Guevara, «um demolidor efeito político e social». Num texto de 1970, «Contra a arte afluente: o corpo é o motor da obra»(17), estableci analogias entre a estrutura da guerrilha e a linguagem adotada pelos artistas brasileiros da chamada «Geração AI-5» (1969-1970). Com efeito, os artistas adoratam como tática de ação e emprego de materiais e suportes precários e inusitados, a surpesa, o choque e a tensão permanente como formas de envolvimento do público em suas propostas estéticas, desenvolvidas quase sempre em espaços públicos. Dizia: na guerra convencional da arte, os participantes tinham posições bem definidas. Existiam artistas, críticos e espectadores. O crítico julgava, ditava normas de bom comportamento, dizendo que isto era bom e aquilo ruim, limtando áreas de atuaçäo, defendendo categorias e gêneros artísticos, os valores plásticos na guerillha artística, porém, todos são guerrilheiros e toman iniciativas. O artistas, o crítico e o público mudam continuamente suas posições no acontecimento e próprio artista pode ser vítima da emboscada tramada pelo espectador. Nesse mesto ano, em Washington, Camnitzer referia-se às operações de guerrilha dos Tupamaros como a única contribução estética válida da América Latina à historia da arte. Num texto de 1991, no qual busca constuir uma história da arte conceitual em nosso continente, ele acrescenta: «Enquanto os tupamaros desenhavan suas operações com um superavit estético, um grupo argentino de artistas planejava cuidadosamente uma atividade artística com un superavit político». De fato, um dos líderes de Tucumán Arde, Juan Pablo Renzi, interromperia uma conferência de Jorge Romero Blest, diretor do Instituto Torquato di Tella, para declarar: «Avida de Che Guevara e as ações dos estudantes franceses (corria o ano de 1968) são obras de arte mais importantes que todas as idiotices que penduram nas paredes dos mi museus do mundo», concluindo seu improvisado discurso com um «abaixo todas as instituições, viva a arte de revolução». No Chile, primeiro foram as «brigadas artísticas», lideradas por Matta, ao tempo da campanha eleitoral que resultou na vitíria de Salvador Allende. Pintura eleitoral, para consumo imediato, realizada velozmente e com meios precários, pronta para ser substituida, mais conteúdo que forma, ou melhor, um conteúdo político gerando uma linguagem correspondente. mais tarde, durante a ditadura de Pinochet, surgiram outras frentes agrupadas em torno do que passou a ser chamada de Escena de Avanzada. Um desses grupos era o Cada, integrado por poetas, escritores, sociólogos, gráficos e artistas plásticos. Entre os trabalhos realizados está «Para no morir de hambre en el arte», de 1979, que entre outras coisas incluiu una distribução de leite às populações pobres de Santiago, e «Ay Sudamérica», em 1981. Nesses eventos, a fusão entre arte e política era total, mediante o emprego de táticas de guerrilha urbana. Ao slogan «tudo é política», respondiam com um cortante «tudo é arte».
Todos esses acontecimientos, se vistos pela ótica dos anos 90, marcados pelo ceticismo, quando não pelo cinismo, foram ineficazes como ação política e como arte e tiveram certamente um sabor panfletário e juvenil. Mas foram aasim que as coidas aconteceram e nem poderiam ser diferentes. Hoje, são historia. No entanto, para todos aqueles que participaram desses eventos, ou simplesmente os presenciram, ficou a lembrança de momentos de forte emoção, de solidariedade e do ardor com que os artistas procuratam emfrentar situações adversas.
O prestigio atual de nossa arte no mundo tem como feddback um aumento de intercâmbio entre os própios artistas latino-americanos. Se, por um lado, devolvemos à Europa, renovada, a arte que dela importamos, por outro, o artista latino-americano está redescobrindo o Continente que é seu. Em 1985, Guido di Tella dizia, num depoimento sobre a arte argentina: «Fizemos Impressionismo quando este havia terminado na Europa. Fizemos Cubismo um par de décadas mais tarde, mas fizemos arte geométrica pouco depois e alguns dizem um pouco antes da Europa. Informalismo, dois ou três anos despois e o Movimento Pop duas ou três horas depois. Queríamos transformar Buenos Aires numa das capitais de arte do mundo».(19) Durante algum tempo conseguiram seu intento. No seu depoimento, di Tella confirma uma tradição argentina, a de sempre buscar estar em dia com a arte mundial. Confirma este mirar hacia afuera que era a recomdação de Jorge Romero Brest fazia aos artistas de seu país. Desde algum tempo, entretanto, um artista de extaordinário talento e inventividade como Luis Benedit tem toda sua atenção voltada para o campo argentino, para o reexame da vida gauchesca, para a história de seu país. Nesta bienal, ele participa da vertente cartográfica, ao lado de Victor Grippo que, desde os 60 anos, vem criando analogias intrigantes e perturbadoras metáforas do Continente, sugerindo, através da batata, associada a eletrodos o outros materiais, uma maior consciência do ser latino-americano. Ou seja, para ambos, a postura cartográfica não significa a adesão a mais um modismo internacional, mas uma tentativa bem-sucedida de, partindo do território, que é o seu, re-escrever a história de seu país e seu continente. O mundo, como diz o geógrafo brasileiro Milton Santos, é uma abstração. «O verdadeiro é territorio, é ele que transforma o mundo e não o contrário». (20) Até muito recentemente, os latino-americanos se desconheciam mutuamente, porque tinham seus olhos voltados para a Europa e, a seguir, para os Estado Unidos. Esta panorama está mudando. Seguros da importãncia de seu trabalho criador, sentem que podem encontrar, aqui mesmo, os temas, as formas e os materiais de que necessitam para poder avançar em seus processos criativos. Justo Pastor Mellado assinala a influência de Oiticica como resultado da transversalidade das polêmicas plásticas do Cone Sur e as compativilidades formais entre Gonzalo Díaz, Eugenio Dittborn, Luis Benedit e Grippo, relacionando, também, El Verdejo de Juan Dávila ao Juanito Laguna de Berni. Eis aí outro fértil para estudos, se quisermos, de fato, re-escrever a histórica da arte latino-americana. Porque, na verdade, estas aproximaöes desde muito tempo podiam ser feitas, e se apenas agora estão vindo à tona, é porque estamos mais conscientes de nossa autonomia criativa. Se Torres García devolveu à Europa, renovado, o construtivismo, não foi menor a influência que ele exerceu em todo o Continente, diretamente, através de sua obra e de suas idéias, e, indiretamente, através de alguns de seus alunos. A este respeito, basta que se examine a obra, ou certas fases da obra realizada por Alfredo Hlito, Marcelo Bonevardi, Rubem Valentim e Quintana Castillo, entre outros. Em dos momentos, pelo menos, jovens artistas brasileiros se deixaram impactar pela obra de seus colegas argentinos. A primerira vez, em 1953, por ocasião da mostra de artistas concretos, que passou pelo Brasil a caminho da Holanda, e entuasmou os integrantes do Grupo Frente, liderados por Ivan Serpa. Dez anos depois, foi a vez do grupo Otra Figuración, que com sua mostra realizada na filial de Galenria Bonino, no Rio de Janeiro, deslumbrou a generação de Antõnio Dias e Rubens Gerchaman. Se é certo que, durante algum tempo, Buenos Aires exerceu, hegemonicamente, sua influência em todo o Continente, a partir da criação da Bienal de São Paulo, o eixo de influências internas começou a mudar. Hoje, a Venezuela e mesmo a Colombia e o México, que países de desenvolvimento endógeno, començam também a se abrir para um diálogo continental extremadamente salutar e produtivo. O mercado de arte brasileiro, sempre relutante em lidar com a produção artística da América latina, abriu a guarda e artistas brasileiros já integram importantes coleções privadas de Caracas ou San José da Costa Rica.
Num passado recente, como observa Tício Escobar, os artistas paraguaios recapitulavam o trajeto da arte eruoéia e norte-americana através de mediações dos modelos rioplatenses e brasileiros. Hoje, com a intensificação do intercâmbio entre as nações do Continente e entre a América Latina, Europa e Estados Unidos, o processo tornou-se bem mais complexo. Não se trata mais de mímesis ou reprodução, disto que Mellado denomina de «transferências débeis», mas de transversalidade.
B. As mulheres, os negros, os deficientes físicos e os integrantes de outras minorias étnicas e culturais, para sobrevirerem numa sociedade competitiva e racista, precisam provar todo o tempo que são os melhores. É isto também o que se exige do artista latino-americano, pois como afirma ainda Camitzer: «o artista do centro desconhece a arte da periferia, mas o artista periférico precisa conhecer sua arte, a do centro e a relação entre ambas. Tam que ser o melhor e conhecer a arte do centro, para não ser dominado por ela».(23) C. O artista do centro parece desconhecer sua identidade. Ele não a discute nem a questiona, porque supôe que a possui de origem, como um dom natural, e que todos a conhecem. No entanto, o centro exige que o artista latino-americano prove, todo o tempo, sua identidade e afirme e importância de sua arte. O artista metropolitano é estimulado a buscar outras fontes culturais, remotas ou distintes. Nem por isso é acusado de apropriar-se do que não é seu nem perda de identidade. Os artistas periféricos, sob pressão dos modismos internacionais, são induzidos a agir da mesma forma, mas logo são apontados como diluidores, quando não plagiadores, de modelos euro-norte-americanos, com o adendo de que estão se distanciando perigosamente de suas próprias tradições culturais, comprometendo, assim, a autenticidade de sua arte. D. Com freqüencia, somos acusados de sermos muito e pouco latino-americanos, por defendermos ao mesmo tempo nossa identidade e nos distanciamos dela. Na verdade, como afirma Octavio Zaya, «as questões de identidade e autenticidade com as quais o Ocidente marca sempre a arte latino-americana não são senão cortinas de fumaça para pertuar o paternalismo, insinuando a nossa incapacidade para a diversidade criativa, negando aos artistas latinoamericanos o direito à subjetividade e à autonammação».(24) E. Até muito recdntemente, os espaços destinados à arte latino-americana pelas instituiöes culturais metropolitanas e grandes mostras internacionais eram uma forma de sinalizar o que bão deveria ser visto e analisado. O sucesso actual da arte latino-americana no circuito internacional já nos permite recusar toda forma de tutela e a lutar contra a discriminação cualtural imposta pelo centro. Devemos evitar, ao mesmo tempo, tanto o complexo de inferioridade, qutem marcando nossas relações com a metrópole, quando o complexo de superioridade da Europa e dos Estados Unidos. F. Hélio Oiticica dizia, num de seus textos, que o papel da arte brasileira (leia-se arte latino-americana) no plano internacional era subterrâneo. Quando, finalmente, seu trabalho veio à superficie, menos de uma década depois de sua morte, o choque foi enorme. Oiticia é hoje uma das referências mais importantes da arte internacional. Na análise que Catherine David, curadora da última Documenta de Kassel: «sua obra carece de todo exotismo, aparecendo vinculada a uma modernidade sem nacionalidade e igualmente à tradição européia, sem deixar de pertenecer a uma cultura brasileira, radical e selvagem». Mas, surpresa, se pergunta: «É possível uma arte experimental de vanguarda num país subdesenvolvido?» Claro que é possível e o próprio Oicitica é melhor exemplo. Lygia Clark, outro. Cildo Meireles e Victor Grippo outros. A verdade é que o centro começa ser transformado pelas margens. G. A antropofagia de Oswald Andrade nos ensina que, se necessário, devemos ser insolentes, tanto na defesa de nossas tradições, quanto na absorção de que vem de fora. Nem timidez nem recato. Podemos e devemos buscar, onde quer que seja, o que necessitamos para a renovação de nossa criatividade plástica. Tanto quanto a arte dos grandes centros, a arte latino-americana é plural, dinâmica, contraditória, híbrida e sencrética. A existência de uma arte latino-americana viril e independente pressupôe intercâmbio, confrontação e relacionamento constante e aberto com a arte de outras nações.
Notas (1) A afirmação de Kissinger é mencionada por Miguel Rojas em «Arte na América Latina». Revista Arte en Colombia, setembro de 1989, e confirmada por Luis Maria Aguirre, atual ministro do Planejamento do Chile, na conferência que proferiu no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, em 30/08/96: uma vez, num encontro em que estavam Orlando Letelier, chanceler de Allende, e Kissinger, este disse aos chilenos: «Paguem apenas un dólar pelas empresas de cobre nacionalizadas, mas reconheçam que vocés nos devem e que as empresas valem. Temos um investimento mundial muito grande e não vamos arriscar isto por causa do capricho de um chefe de Estado revolucionario em um país insignificante da América Latina. O Chile não vale nada, mas se properar, amanhã, poderá haver experiências em paísea que valem muito, como a França e a Itália, onde a esquerda podria chegar ao poder». (2) Luis Camnitzer, «El arte, la política y el mal del ojo», in Catálogo da IV Bienal de la Habana, Cuba, 1991. (3) Dale McConnathy, «Americanismos. El fracaso del colonialismo y del nacionalismo como costructos críticos», a comunicação feita ao 17° Congresso Extraordinario da Associação de Críticos de Arte. Caracas, 1978. (4) Nelly Richard: «Cultura de la diferencia o cultura de la repetición», comunicação feita ao mesmo congresso. Caracas 1978. (5) François Cali: L¹Art des Conquistedors. Ed. Arthaud, Paris, 1960 (6) Citado por Roberto Guevara, «Arte en una era de mutaciones». Catálogo da I Bienal de Artes Visuais do Mercosul. (7) Angel Calemberg: «La de-velación», in catálogo exposição «Artistas alemães na América Latina. Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro, 1980. (8) Pierre Restany: Manifesto do Rio Negro. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, 1980. (9) Nelly Richard. Ibid (10) Denise René, em entrevista a F.A. de Haeseleer, publicada no número 4 do Cahier do ICSAC/Internacionaal Centrum voor Structuranalyse en Constructiviesme, Bruxelas, março, 1985. (11) Per Hovdenakk: «Wifredo Lam y el Expressionismo Abstracto en los Estados Unidos y Europa», comunicação feita à Conferência Internacional sobre Wifredo Lam, Ciudad de la Habana, Cuba, 1984. (12) Gregory Battcock: Minimal Art, a critical anthology. A Dutton Paperback, Nova York, 1968. (13) Guy Bett: Kinetictik Art, The language of movement. Studio Vita, Londres, 1968. (14) Angel Rama: Los dictadores latinoamericanos. FCE, México, 1976. (15) Carlos Basualdo: «Entre la mímesis y el cadaver: Arte Contemporáneo en Argentina». in catálogo exposição Argentina 1920-1994, The Museum of Modern Art, Oxford, 1994. (16) Jean Franco: La cultura moderna en América latina. Ed. Grijalbo, México, 1986. (17) Frederico Morais: «Contra a arte agluente. O corpo é o motor da obra». Revista de Cultra Vozes, Rio de Janeiro, jan/feb 1970. (18) Luis Camnitzer: «Uma genealogía del arte conceptual latino-americano», 1991 (19) Citado por John King: «Argentina 1956-1976, Desarrollo artístico y cultural». Catálogo exposição Argentina 1920-1994. (20) Em entrevista a O Globo, Rio de Janero, de 05.10.94. Milton Santos afirma: «O mundo não existe, é uma abstração, algo que flutua no ar, sem comprometer-se com nada. Oque è real è o lugar. O mundo produz normas, ordens, mas felizmente o lugar deforma e reinterpreta tais ordens. Dai procede a esperança de un mundo melhor. É da contradição entre o mundo e o lugar que surge a história». (21) Sobre o impacto destas duas exposições sobre os jovens artistas brsileiros , ver as catálogos das mostras «Grupo Frente 1954-1956», 1984, e «Opinião 65», 1985. realizadas pela Geleria Banerj, Rio de Janeiro. (22) Gerardo Mosquera: «La historia del arte y las Culturas», comunicação feita ao simpôsio Aldea Global, realizado en Lund, Suécia, 1993. (23) Luis Camnitzer: «Uma genealogía del arte conceptual latino-americano, 1991. (24) Octavio Zaya: «Sin título (En memoria de Feliz Gonzalez-Torres». Boletín Arco/97, Madrid, 1996. |
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